segunda-feira, abril 14, 2008

Eme, esse, ene.

A noite estava calma. O outono já se fazia sentir na cidade e, apesar do mormaço quente, o céu ficou nublado durante todo o dia. Com o pôr do sol, o calor foi diminuindo e um vento leve entrava pela janela de seu apartamento. Cecília estava sentada no sofá, com o laptop no colo, as pernas cruzadas e apoiadas na cadeira virada de lado para que o encosto não ficasse na frente da TV. Nem olhava para a televisão enquanto apagava seus emails que falavam de peças que ela não iria assistir, de shows onde não iria dançar e de pessoas que ela não queria saber. De repente, uma janela apareceu na sua tela, com o rosto sorridente da irmã na foto tirada quando tinha 6 anos e a frase que ela sempre escrevia: "olah pessoa". Tinham começado a se tratar como "pessoa" quando eram adolescentes e até hoje tinham este código. Não lembrava como aquilo tinha começado, mas se sentia próxima à irmã quando ela lhe chamava assim. "Oi pessoa!", respondeu. "e aih, jah foi ve meu pai?". "Ainda não, Bia. Estou um pouco confusa com tudo o que aconeteceu.". Já tinha desistido de corrigir a irmã nas conversas virtuais, mas sempre se sentia um pouco incomodada com o jeito dela escrever. E, não fazia muito, ela também costumava enxugar suas conversas na internet, até que mandou um email com um "td bem" para o chefe, gerando algumas risadas na reunião semanal. Decidiu radizcalizar e passou a escrever todo e qualquer texto que digitava com a gramática de baixo do braço. "imagino...". Beatriz deixou a cabeça cair pra trás e se apoiar no encosto do sofá por alguns segundos. Não queria continuar aquela conversa. "Como estão as cosias por aí?", mudou de assunto. "normal... daniel tah no quarto dele, minha mae no dela e eu to aki na sala". "Mas está tudo bem?". A irmã continuou: "ih, ciça... teve o maior quebra pau aki hj. estou ficando cansada disso.". Nem me fale, pensou Cecília. Ela sabia que o clima na casa de sua mãe não estava bom, mas não sabia o que poderia fazer para mudar aquilo. Na verdade, tentava se convencer de que não podia fazer nada a respeito, mas no fundo sentia-se incomodada por apenas observar o processo de desmantelação de sua casa. Jogava a culpa em seu pai, e sempre falava com a mãe e com a irmã que tudo aquilo havia começado por causa da separação. Queria realmente acreditar naquilo e esquecer do fato de que, na verdade, ela havia sido a primeira a fugir da situação, indo morar com a avô com a desculpa de ter um ambiente mais tranquilo para estudar. Pensou em aconselhar a irmã a sair de casa, quem sabe vir morar com ela, mas no fundo as duas sabiam que temeriam por sua mãe se Beatriz saisse de casa. "mas deixa isso pra lah... a gente vai no hospital sabado de manha com minha tia. nao quer vir?". Cecília respirou fundo. Sentiu um rápido calafrio e olhou para o violão encostado na parede. "Pode ser". Marcaram o horário e ainda conversaram sobre trabalho, sobre namorados, sobre o filho da prima que havia acabado de nascer e sobre o jantar, antes de se despedirem. Cecília fechou o laptop, encostou novamente a cabeça no sofá e deixou uma lágrima rolar pelo rosto. Ela iria encontrá-lo no sábado.

2 Comments:

Blogger Unknown said...

Olha só! Agora, voltando pro "Cecília" que me lembrei de que aquela era Beatriz. O que o ponto de vista não faz, não é mesmo? Agora estou esperando chegar esse sábado aí ;)
beijos

11:31 AM  
Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

11:28 PM  

Postar um comentário

<< Home